quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

A autodescoberta



Descobri, nesse semestre (02/2012) que a Pedagogia está fazendo muito mais por mim do que imaginaria.

Ao fazer uma atividade da Disciplina de Filosofia sobre o negro e a construção de sua identidade, descobri algo sobre mim mesma que não conhecia, é como se nascesse novamente.

Bem, mas deixa eu começar do inicio.
Fui buscar textos e artigos científicos que baseassem minhas respostas para o trabalho acadêmico e, entre eles, encontrei "As Relações Cotidianas e a Construção da Identidade Negra". 
O artigo fala sobre o "mito da democracia racial brasileira", sobre o preconceito, a ideologia do branqueamento e do conceito de que "o negro é culpado por suas próprias desgraças". Para ilustrar essas idéias, o sofrimento e a desconstrução pela qual uma pessoa negra passa, os autores apresentaram a história de vida de Lígia, negra, 34 anos, professora de uma escola pública.
Nossa! Isso sim foi revelador para mim. Vários trechos do depoimento dessa mulher pareciam histórias da minha vida e entendi que muitas dificuldades que sinto hoje estão ligadas a esse esvaziamento da minha identidade negra. O não se reconhecer, o não se identificar naquilo que conheço é muito sofrido, é uma busca incessante de alcançar o modelo socialmente aceito e não conseguir chegar lá.
Por exemplo, Lígia ressalta o silêncio da família e da escola nas situações de racismo. Eu vivi isso. Estudava em uma escola privada de classe média alta, em que na minha turma de 50 alunos, apenas eu e outra colegas éramos as negras da sala. Éramos as feias, as esquisitas e só nos destacávamos pelos estudos. Acostumei-me a ficar sempre calada, a não reagir, pois o preconceito era algo escamoteado, como até hoje o é. Como diz FERNANDES (apud FERREIRA e CAMARGO, 2011, p. 381), "sabe-se da discriminação, mas não se fala a respeito".
Outro exemplo é a fase do namoro. Com a palavra Lígia, mas poderia ser eu mesma:
" (...) eu imaginava que na minha adolescência eu iria namorar muito... Mas eu não namorei nada... Então eu era uma adolescente calada, triste. (...) No grupo que eu saía, em finais de semana, nunca pintava namorado para mim. As outras namoravam, e eu sempre sozinha..."
 Como ela, a adolescência foi difícil,  pois não me identificava com o meio em que vivia, não tinha referências, acostumei-me a calar e a assumir a inferioridade atribuída socialmente.O que pode ter reforçado ainda mais isso foi a falta de diálogo, de discussão sobre o preconceito e a cultura negra. Hoje, tento, por um exercício de autoconsciência, trabalhar a construção da minha identidade negra, seja assumindo meus cachos, seja entendendo que não preciso embranquecer para ser bonita.Isso se tornou ainda mais importante porque tenho um filho negro e quero que tenha uma postura diferente da minha: autoestima fortalecida, sentimento de pertença e alegria de ser quem é.Para o trabalho acadêmico, ficou assim:

4. Por que é ideológico o consenso de que os negros são culpados pelas suas próprias desgraças? Com que argumentos poderíamos recusar essa explicação? 


Ideologia é um conjunto de ideias que se articula com a ordem produtiva dominante e serve para manter um grupo social no poder. Ela está na política, na cultura, na economia e em todos os setores da sociedade. Utiliza-se de diversos instrumentos, entre eles, a mídia, para disseminar suas ideias.

No Brasil, um país com diversidade de etnias, mas com uma única cultura dominante, é de fundamental importância uma ideologia que justifique essa desigualdade e mantenha tudo sob controle.
É assim que se difunde, desde sempre, o conceito de democracia racial: diferentes etnias convivem harmoniosamente. Entretanto, vê-se no dia-a-dia o racismo, a desigualdade de oportunidades, a tentativa de homogeneizar as pessoas. É um mecanismo sócio-ideológico para mascarar o preconceito e manter a “supremacia de um grupo”.
E é nesse caminho, para legitimar o racismo e a opressão, que se culpa o negro pela sua própria desgraça. Ele é responsabilizado pelas dificuldades a que é submetido, quando se sabe que essa “desgraça” foi construída historicamente e iniciada com a escravidão. Esta marcou profundamente o país, que até hoje é dividido entre a elite dominadora (casa grande) e a maioria violentada e apassivada para o exercício da cidadania (senzala).
Por isso, não se pode aceitar esses conceitos distorcidos sobre o negro, pois são formas de manipulação e de manutenção do status quo.
A escola, mesmo sendo um instrumento ideológico, pode ajudar a desconstruir essas ideias preconceituosas e imobilizadoras, inserindo as diversas culturas, sem caráter pejorativo e folclórico, no espaço escolar, discutindo-as e reconhecendo-as como identidades legítimas.


5. Em que medida a consciência que o branco tem do negro determinou também a consciência que o negro tem de si próprio? Explique isso usando o conceito de ideologia.


Conforme FERNANDES (apud FERREIRA e CAMARGO, 2011, p. 376 ), “o preconceito de cor é uma categoria histórico-sociológica construída pelos brancos e é, em larga medida, compartilhada pelos próprios não-brancos.”
A ideologia no Brasil encobre o racismo com o mito da democracia racial, o que torna difícil a consciência da opressão e, consequentemente, a reação. Há um jogo ambíguo, em que se nega o preconceito racial, mas, ao mesmo tempo, submete-se o negro a um processo de desqualificação e desvalorização constante  de sua negritude.
Além disso, há um bombardeio ideológico, por exemplo, através da mídia e da escola, em que se dissemina um padrão ideal: o branco.
Tudo isso é banalizado e introjetado como normal. O afrodescente, sofrendo diariamente com essa opressão, é levado a rejeitar a sua identidade e incorporar a “vida do branco”. Portanto, ele acaba por negar suas origens, sua cultura e seus valores para tentar se identificar com símbolos do grupo economicamente dominante e alcançar a aceitação social.
Segundo CIAMPA (apud FERREIRA e CAMARGO, 2011, p. 384), “uma identidade concretiza uma política, dá corpo a uma ideologia”. Logo, a assunção da negritude é sinônimo de posicionamento e atuação política e social do negro, o que não seria nada interessante para a elite branca. Por isso, há esse massacre ideológico, que torna os afrodescendentes dóceis sem sentimento de pertença e os brancos no poder, evitando, assim, o questionamento sobre as causas das desigualdades e da opressão.

Aprendi muito sobre a identidade negra, o racismo e sobre mim mesma. Vi que não estava sozinha e que todos os sentimentos de inferioridade, de autoestima baixa, de insegurança são legítimos e foram construídos por uma ideologia de opressão e embranquecimento. Aprendi a me perdoar e a buscar outra postura.

Referências:


FERREIRA, Ricardo F.  e CAMARGO, Amilton Carlos. As Relações Cotidianas e a Construção da Identidade Negra. Revista Psicologia Ciência e Profissão. nº 31 (2), p. 374-389, 2011. Disponível em < http://www.scielo.br/pdf/pcp/v31n2/v31n2a13.pdf> Acesso em 04/10/2012.

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