sexta-feira, 26 de junho de 2015

Para refletir: qual a escola do seus sonhos? Frei Beto já tem a dele!

A Escola dos meus Sonhos

Frei Betto



Na escola dos meus sonhos, os alunos aprendem a cozinhar, costurar, consertar eletrodomésticos, a fazer pequenos reparos de eletricidade e de instalações hidráulicas, a conhecer mecânica de automóvel e de geladeira e algo de construção civil. Trabalham em horta, marcenaria e oficinas de escultura, desenho, pintura e música. Cantam no coro e tocam na orquestra. Uma semana ao ano integram-se, na cidade, ao trabalho de lixeiros, enfermeiras, carteiros, guardas de trânsito, policiais, repórteres, feirantes e cozinheiros profissionais. Assim aprendem como a cidade se articula por baixo, mergulhando em suas conexões que, à superfície, nos asseguram limpeza urbana, socorro de saúde, segurança, informação e alimentação.

Não há temas tabus. Todas as situações-limite da vida são tratadas com abertura e profundidade: dor, perda, falência, parto, morte, enfermidade, sexualidade e espiritualidade. Ali os alunos aprendem o texto dentro do contexto: a Matemática busca exemplos na corrupção dos precatórios e nos leilões das privatizações; o Português, na fala dos apresentadores de TV e nos textos de jornais; a Geografia, nos suplementos de turismo e nos conflitos internacionais; a Física, nas corridas de Fórmula-1 e nas pesquisas do supertelescópio Huble; a Química, na qualidade dos cosméticos e na culinária; a História, na violência de policiais contra cidadãos, para mostrar os antecedentes na relação colonizadores - índios, senhores - escravos, Exército - Canudos, etc.

Na escola dos meus sonhos, a interdisciplinaridade permite que os professores de Biologia e de Educação Física se complementem; a multidisciplinaridade faz com que a História do livro seja estudada a partir da análise de textos bíblicos; a transdisciplinaridade introduz aulas de meditação e dança e associa a história da arte à história das ideologias e das expressões litúrgicas. Se a escola for laica, o ensino religioso é plural: o rabino fala do judaísmo, o pai-de-santo, do candomblé; o padre, do catolicismo; o médium, do espiritismo; o pastor, do protestantismo; o guru, do budismo, etc. Se for católica, há periódicos retiros espirituais e adequação do currículo ao calendário litúrgico da Igreja. Na escola dos meus sonhos, os professores são obrigados a fazer periódicos treinamentos e cursos de capacitação e só são admitidos se, além da competência, comungam os princípios fundamentais da proposta pedagógica e didática. Porque é uma escola com ideologia, visão de mundo e perfil definido do que sejam democracia e cidadania. Essa escola não forma consumidores, mas cidadãos.

Ela não briga com a TV, mas leva-a para a sala de aula: são exibidos vídeos de anúncios e programas e, em seguida, analisados criticamente. A publicidade do iogurte é debatida; o produto adquirido; sua química, analisada e comparada com a fórmula declarada pelo fabricante; as incompatibilidades denunciadas, bem como os fatores porventura nocivos à saúde. O programa de auditório de domingo é destrinchado: a proposta de vida subjacente, a visão de felicidade, a relação animador-platéia, os tabus e preconceitos reforçados, etc. Em suma, não se fecham os olhos à realidade, muda-se a ótica de encará-la. Há uma integração entre escola, família e sociedade. A Política, com P maiúsculo, é disciplina obrigatória. As eleições para o grêmio ou diretório estudantil são levadas a sério e, um mês por ano, setores não vitais da instituição são administrados pelos próprios alunos. Os políticos e candidatos são convidados para debates e seus discursos analisados e comparados às suas práticas.

Não há provas baseadas no prodígio da memória nem na sorte da múltipla escolha. Como fazia meu velho mestre Geraldo França de Lima, professor de História (hoje romancista e membro da Academia Brasileira de Letras), no dia da prova sobre a Independência do Brasil, os alunos traziam para a classe a bibliografia pertinente e, dadas as questões, consultavam os textos, aprendendo a pesquisar. Não há coincidência entre o calendário gregoriano e o curricular. João pode cursar a 5ª série em seis meses ou em seis anos, dependendo de sua disponibilidade, aptidão e seus recursos. É mais importante educar do que instruir; formar pessoas que profissionais; ensinar a mudar o mundo que ascender à elite. Dentro de uma concepção holística, ali a ecologia vai do meio ambiente aos cuidados com nossa unidade corpo-espírito e o enfoque curricular estabelece conexões com o noticiário da mídia.

Na escola dos meus sonhos, os professores são bem pagos e não precisam pular de colégio em colégio para se poderem manter. Pois é a escola de uma sociedade em que educação não é privilégio, mas direito universal, e o acesso a ela, dever obrigatório.

 Frei Betto é escritor, autor do romance "O Vencedor" (Ática), entre outros livros. 

Fonte:

http://www.bancodeescola.com/freibeto.htm

sábado, 20 de junho de 2015

Refletindo sobre gênero

Como pedagogas e pedagogos, devemos ler sobre diversos assuntos e mais ainda sobre temáticas que podem influenciar o nosso trabalho. Foi assim que me interessei pelo livro “Abaixo a Família Monogâmica!”, de Sérgio Lessa.
Antes de começar a lê-lo, eu possuía algumas certezas, como:
  • Monogamia é o inverso/oposto da poligamia;
  • A família monogâmica (independente de ser na formatação hetero ou homo) é algo inquestionável, ou seja, é o que conheço. Forçando um pouco a barra, é resultado de amor entre os indivíduos (pode rir!).

Logo no título enxergo uma provocação às minhas certezas. Entretanto, gosto de me sentir sacudida por outros pontos de vista e ver que, diferente do que nos é imposto durante a nossa formação, não há naturalidade, mas ideologias e formas de dominação.
É assim que vou me confrontando com as ideias do livro:
A monogamia e a poligamia são faces da mesma moeda e não formas opostas de organização familiar. Ambas na sociedade de classes é a subjugação da mulher pelo homem.
Com o capitalismo, a propriedade privada, a sociedade de classes e o individualismo, não há como permanecer coletiva a criação dos filhos, a educação e os cuidados. Logo...
A mulher é retirada da vida coletiva e passa a servir ao marido. Ela é sobrecarregada com a maternidade, a mediação entre o “senhor”, os filhos, os empregados, o cuidar da casa.
É nessa organização da família monogâmica que a mulher como propriedade do marido não lhe é dado espaço para desenvolver sua personalidade e sua sexualidade. Afinal, um objeto não tem vontades e nem pensa. E ao homem cabe o papel do predador  sexual e provedor. Ambos são incompletos porque ou é emoção ou razão.
E é assim que se justifica as atitudes de violência e de opressão pelo instinto “natural” masculino.
Entretanto, o que me atingiu em cheio é saber que o próprio formato da “família monogâmica” está intrinsecamente ligado ao sistema capitalista. Ou seja, nada está imune ao capitalismo, nem mesmo o “amor”. A monogamia não é a livre vontade de se relacionar com uma pessoa, mas uma parte da ideologia do capital.
No papel de pedagogas (os) com uma consciência mínima, é preciso estar conscientes para não continuar alimentando esses preconceitos e preceitos na formação dos alunos e alunas.  Não devemos reforçar estereótipos!
É fundamental estarmos atentas e atentos ao Currículo Oculto. As nossas posturas, as nossas ideologias e nossas certezas não podem reafirmar opressões e exclusões. Claro que é um papel difícil, mas essencial.